terça-feira, 25 de setembro de 2007

Herança

Quando chegaram meus ancestrais, oriundos de Lugar Algum, ao sertão da Paraíba; não tendo mais água e comida; a arte das guerras não aprenderam, pois empunhar armas não sabiam; e ao labor das agrícolas tarefas temiam, pois manusear a enxada era em demasia exaustivo, decidiram erguer a muito custo as lonas para, enfim, responder ao chamado dos desgraçados deuses da arte: tornaram-se circenses. E foi em baixo daquela lona do velho circo da família que minha sina começou. Pois em baixo daquela velha lona o sangue de duas criaturas uniu-se em um ato sigiloso de amor. Ao picadeiro do circo foram convocados a bailarina e o palhaço para tirar da cartola mágica uma prole de 10 rebentos, todos herdeiros da pasta d’água e do nariz vermelho. Dessa herança fugiu o primogênito, meu pai, que depois de dias a esmo e com os pés cheios de estrada, foi parar no seridó, onde minha mãe conheceu. E ali, muito longe da lona do sertão paraibano, meu pai e minha mãe sem conhecer a cena, encenaram o ato da concepção. Mas antes que o menino nascesse os famigerados deuses da arte, para castigar o fugitivo primogênito do circo disseram: “De nós um primogênito foi roubado. A nós um primogênito será devolvido”. E agora, eis que aqui estou, embaixo da mesma lona, prostrado para cumprir a sina e receber a parte que me cabe na herança.

1 comentários:

Francisco Medeiros disse...

Maravilhoso! Maravilhoso! Como denuncias em "misturo aquele que sou", aqui pareces querer unir as duas pontas de tua vida...
Valeu, amigo!!!